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sábado, 19 de maio de 2012

A Dificuldade de Escrever Quadrinhos no Brasil

Desde que me entendo por gente, gosto de histórias em quadrinhos. Aprendi a ler por causa delas aos quatro anos de idade.  Lembro-me de ficar vendo os quadradinhos sem entender o que falavam e ficava inventando diálogos para as cenas que via no papel. De tanto incomodar minha mãe ela resolveu me ensinar as primeiras letras, assim eu a deixava em paz com as perguntas incômodas que eu fazia ao ver coisas escritas em todos os lugares e acima de tudo nas páginas dos quadrinhos usados que ela comprava para me presentear (a meu pedido) no meu aniversário. Meus irmãos pediam carrinhos e outros brinquedos, mas eu preferia que ela usasse o dinheiro que destinaria a comprar um presente e comprasse toda quantia em gibis usados para mim (por que eram mais baratos do que os de banca). Cresci e infelizmente apesar do meu gostar não adquiri o dom do desenho. Sou um copista razoável, mas não passo muito daí. Ainda gostava de quadrinhos e resolvi criar personagens para esse veículo; criei tantos que hoje tenho um "universo" próprio com mais de 250 personagens (análogo, mas não tão grandioso como a Marvel e DC Comics). Para sanar minha incapacidade com lápis e borracha eu escrevia roteiros e fichas de personagens (e isso muito antes de inventarem o RPG...) Tentei ao longo dos anos me aproximar de desenhistas que pudessem dar uma imagem para as ideias e plots de personagens e invariavelmente fui mal sucedido: os amigos sempre tinham projetos próprios e os demais cobravam uma quantia definitivamente exorbitante por página desenhada para um nerd pobre do subúrbio como eu. Acho que eles queriam um retorno ao investimento do curso que faziam (sempre pagos) e não se contentavam com minha oferta de 50% dos lucros obtidos com a comercialização das "nossas" histórias. Sonhos jovens de quem oferece algo que só existe dentro da cabeça dele. (Hoje já existem sites que permitem um analfabeto funcional em desenho como eu fazer os croquis de seus personagens como o Fábrica de Heróis  e o Hero Machine). Uma época, já mais velho, resolvi juntar minhas fichas e procurar um "patrocinador" (inspirado pela história de Leonardo DaVinci com os Sforza - não ria por favor...). Procurei editoras que me recebessem e só consegui com a antiga EBAL.  Peguei meus roteiros e fichas de heróis e fui ao belo prédio (hoje dilapidado) da editora. Fui muito bem recebido por um dos Aizen (não me lembro qual, mas acho que era um dos diretores, vejam só...) que me ouviu pacientemente elogiou minhas ideias e personagens, mas me deu uma resposta que seria padrão para todas as vezes que eu tentei ser "descoberto" e viver de minha pena, seja com livros ou quadrinhos: "Nós não estamos investindo em autores novos". Bem, eu pensava, ou isso é uma desculpa elegante por eu não o sobrenome "correto" e vir do subúrbio sem ninguém influente para me indicar ou meus trabalhos não eram tão bons assim (vou morrer com essa dúvida cruel). O senhor Aizen, muito gentil, descartou meu universo de personagens e falou para eu mandar alguns roteiros que seriam avaliados pela sua equipe, que então entrariam em contato comigo, no maior estilo "não nos procure, nós encontraremos você". Não mandei. Primeiro por que não me interessava na época escrever para personagens de outros, segundo por que eu sabia que não escreveria somente para quadrinhos, uma vez que não existe um espaço para o que eu era e ainda sou entre outras coisas: roteirista de quadrinhos. No Brasil há uma cultura do "faz-tudo" na produção de quadrinhos  onde o desenhista acumula as funções de argumentista e roteirista quando, por ser uma arte "industrial" os melhores trabalhos são feitos por uma equipe. Essa, para mim é a causa das histórias nacionais terem tramas quase sempre fracas (com honrosas exceções, é claro). Os desenhistas brasileiros de HQs estão entre os melhores  do mundo, mas como não temos a mesma oferta de roteiristas... Nesse ponto eu (finalmente) entro no tópico do post de hoje: Uma reflexão do Gabriel Bá, um dos mais premiados desenhistas da atualidade que levanta esssa questão tão pertinente e que realmente é uma pena. Quantas boas histórias e personagens não estão perdidas por que não há espaço para elas?  


Um olhar sobre roteiristas.
Por Gabriel Bá
O público em geral, o que engloba aí os clientes, as editoras que não publicam quadrinhos, qualquer coisa do tipo, na maioria das vezes não faz idéia de como se faz quadrinhos. Não sabe nem por onde começar. E nem saberá julgar se o trabalho ficou bom ou não, se o "profissional" entende de quadrinhos ou não. Pra maioria dos leitores, o que importa é se gostaram da história ou não.

O público em geral só conhece o que os atinge, o que vira notícia. Publicou uma HQ, saiu matéria no jornal? Uma agência te procura pra fazer algo "tipo Quadrinhos". Ganhou um prêmio, saiu matéria no jornal ou no Metrópolis? Uma editora X te escreve falando de um projeto de começar a fazer Quadrinhos. Tem um link na página principal do UOL? Um monte de gente te escreve falando que adora seu trabalho, perguntam como fazer pra ser um Quadrinhista, mas nunca leram um livro seu.

Quando um filme faz sucesso, quem fica em destaque mais é o diretor ou os atores. Quem escreveu Central do Brasil? Cidade de Deus? Dois Filhos de Francisco?

Nos Quadrinhos nacionais, estamos mais acostumados com autores que escrevem e desenham, fazem tudo. Muita gente pensa que os Quadrinhistas todos fazem de tudo, que não existe divisão de tarefas, que não existe só roteirista. As pessoas acham que fazer Quadrinhos é desenhar bem, criar personagens. E muitos Quadrinhistas pensam isso também. Não pensam em estrutura, forma, fluxo da narrativa. Não pensam em camadas de significado, não pensam em estilos. Acham que é só colocar uma gíria que já são coloquiais e modernos, que sabem captar os detalhes da sua época. Ou, na grande maioria, nem pensam nisso.

***

Gabriel Bá é um quadrinista brasileiro, nascido no estado de São Paulo, sendo um dos mais premiados quadrinistas brasileiros da atualidade. Junto com seu irmão gêmeo Fábio Moon, já publicou trabalhos nos EUA, Itália e Espanha. Foram os primeiros brasileiros a ganharem o Prêmio Eisner de quadrinhos.


Texto retirado de:

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