Estava com vontade de colocar aqui alguma coisa sobre os acontecimentos recentes do Rio de Janeiro, mas estava sem inspiração. Foi então que eu recebi esse texto sensível de minha amiga e colega professora Elaine Brito e ela gentilmente me permitiu dividi-lo com meus leitores nesse espaço.
Eu que sou nascido e criado no subúrbio, acompanho de perto a transformação paulatina nas favelas da cidade. Sim, favela, sou do tempo que não se falava “comunidade” como um eufemismo para se referir as áreas de onde o Estado se retraiu.
O pequeno traficante representado no filme “Rio Babilônia” de 1982 dirigido por Neville de Almeida, que se escondia num barraco no alto do morro e guardava uma pequena quantidade de maconha para venda numa lata de leite em pó “mocozada” atrás de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida junto com um revólver .38 enferrujado que ele usava para se defender de outros viciados, tornou-se ao longo do tempo e graças a omissão dos governos, num mega empresário atacadista de drogas armado até os dentes, com dezenas de homens ao seu serviço e mesmo alguns policiais no seu bolso (vide Tropa de Elite um e dois) tal e qual um senhor feudal moderno.
Sempre digo aos meus alunos que não existe “vácuo de poder”; em ciência política nós aprendemos isso. Sempre que uma instância de poder desaparece, outra logo em seguida toma o seu lugar. Foi assim aqui no Rio como a montagem da estrutura do tráfico (e das milícias também, por que não dizer) quando o Estado desapareceu.
Faltava vontade política e articulação entre as instâncias que detém o legítimo monopólio da violência e que podem aplicá-la de forma organizada e coerente (na concepção de Max Weber) para devolver à população a tranquilidade há tanto tempo perdida. É excelente quando o Estado se articula pelo bem dos cidadãos e foi isso que nós vimos nesses dias.
DOS NOSSOS ALEMÃES
Por Elaine Brito
Depois do resgate dos mineiros no Chile, mais um episódio coloca em risco a vida de milhares de pessoas que ganham a vida com o suor do seu rosto. Mas, assim como ocorreu no Atacama, os moradores do Complexo do Alemão deram provas de sua grande capacidade de resistência.
A ocupação de um dos maiores complexos de favelas do Rio fez com que caíssem por terra não só bandidos, mas também um mito: o de que pessoas pobres são incapazes de se posicionar ideologicamente, tão preocupadas estariam com seu pão de cada dia. São várias as provas de que a luta diária pela sobrevivência não tira das pessoas sua capacidade crítica.
São comoventes, por exemplo, as imagens de pessoas estendendo toalhas brancas nas janelas. Uma foto publicada por um jornal carioca resgitra o momento em que um homem circula entre agentes do BOPE vestindo uma camiseta branca onde está escrito com letras verdes "Paz na Penha". Segundo a imprensa, um menino teria sido baleado por bandidos por ter se recusado a pegar gasolina. Moradores têm apontado o paradeiro de criminosos.
Porém, o gesto mais importante, sem dúvida, é o de pais e mães que fizeram questão de que seus filhos se entregassem à polícia. Situação muito diferente de pessoas que, com nível de instrução elevado e moradoras de bairros nobres da cidade, tentam encobrir os desvios cometidos pelos seus.
Impressionante como alguns criminosos são capazes de resistir ao poder de fogo da polícia, mas não à autoridade dos pais. Essas pessoas mostram que autoridade não se conquista só com armas em punho, mas também com uma conduta digna, apesar das dificuldades.
São pais e mães que, infelizmente, têm que cortar a própria carne para manter de pé seus valores. São homens e mulheres que merecem nosso respeito por não abrirem mão do que consideram justo, mesmo que a sociedade não tenha sido muito justa com eles.