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domingo, 12 de abril de 2015

Vida Material X Vida Espiritual

“Como conciliar pensamentos tão extraordinários com as necessidades comuns de toda a hora?”, perguntareis. "Não podemos desertar do mundo, abandonar nossas metrópoles para buscar a contemplação em meio da solidão; temos nossas dívidas a pagar a Admeto, e enquanto não a liquidamos, nossos pés permanecem sempre algemados", vos queixareis. "O mundo é duro e impiedoso, e nenhuma utilidade têm, para ele, as vossas vãs e vazias doutrinas. Não podemos viver de nuvens. Vossa filosofia é, quiçá, excelente para os que se sentam comodamente junto a uma lareira; mas como poderá ela auxiliar os que mourejam em meio de uma sociedade realista?", concluireis.
Estas perguntas encerram frequentes concepções errôneas acerca do que constitui a verdadeira espiritualidade, e começarei a respondê-las formulando de minha parte uma outra pergunta.
"Nunca vos vistes envolvidos por um daqueles furacões tropicais que se movem com um ímpeto aterrador?"
Por estranho que pareça, se isso vos acontecer, notareis que bem no centro do furacão existe um lugar perfeitamente calmo e inalterado. Assim, também, o homem que se conhece, atinge um equilíbrio mental tal que permanece imperturbável em meio da excitante atividade do mundo. Seu mais recôndito ser se mantém em imperturbado repouso, qualquer que seja o furacão da vida que o envolva, qualquer que seja o trabalho que faça e quaisquer que sejam os pensamentos que lhe afetem o intelecto.
Via de regra se considera a verdade espiritual uma I rogativa dos homens especulativos, perdidos em sonhos piedosos ou filosóficos. Que ela deve ser trazida para dentro do raio de ação do homem de ocupações é uma consideração que parece duvidosa, mas a história a tem não poucas vezes trai formado em fato.
É possível fundir a sabedoria deste mundo com  a sabedoria das coisas divinas? Por que não? Por que, por exemplo, não há de o pesquisador aliar-se ao administrador prático Conheço o dono de uma fábrica de produtos químicos numa província inglesa, que tentou fazer isto. Toda a sua organização, seu equipamento de laboratório, seus métodos de anúncio e seus produtos manufaturados se colocam facilmente, entre seus congêneres, como os melhores e os mais modernos. Ele trata seus numerosos operários na base da Regra de Ouro. Não há nada, dentro do bom senso, que não faça por eles, com d resultado de que não há nada razoável que os operários não façam para ele. Todas as noites, antes de se recolher para repousar após um dia de poeira e esforços — e esse  era o único tempo de que dispunha — dirige-se a um recanto sossegado de sua casa e dedica uma tranquila meia hora à quietude mental, extraindo daí uma paz sublime e energia alentadora, que o habilitam a manter uma secreta liberdade do espírito em meio de toda a mecanização de hoje. Ele tornou esta prática regular perfeitamente compatível com a vida ativa. Proporciona-lhe um equilíbrio interior em meio das  distrações e turbulências da presente existência. A força e sabedoria superiores que ele encontra no divino centro, são mais tarde aplicadas na ação efetiva em sua administração.
O administrador que objete não ter tempo nem ideia para interesses espirituais, porque seus afazeres materiais o absorvem totalmente, acha-se em triste condição. Qual é, então, o verdadeiro interesse do homem?
É justo considerarmos nossas necessidades materiais do momento, mas não é justo considerá-las sem uma referência a algo mais.
São numerosos os ocidentais que se sepultaram em seus negócios e mui raramente saem dali para observar que existe um sol espiritual lá em cima. Milhares de pensamentos se atropelam em suas cabeças da aurora ao crepúsculo: a noite e eles se entregam à colheita do que semearam. Em meio a todo este fértil campo de pensamentos e vida, que lhes resta? Mesmo quando sua saúde periclita e o médico lhes prescreve umas longas férias, tal é a sua escravidão que, embora não possam levar os negócios consigo, são obrigados a levá-los em suas mentes. Seus negócios constituem agora o seu Condutor, e eles, os jumentos carregados.
E vem um dia triste, mas inevitável na existência do homem, ao descobrir que, apesar de todo seu afã, não lhe sobrou nada nas mãos senão um punhado de folhas secas. Nesse dia talvez comece a perceber que a verdade espiritual não é uma ciência abstrata, nem uma abstrusa especulação; é um modo de vida, uma visão mais profunda do mundo. Talvez lhe seja doloroso chegar-lhe esse dia, porém isto é o prelúdio de uma felicidade meritória.
Os assuntos práticos da vida não mais existem para servi-lo, mas para tiranizá-lo. "As coisas selam e cavalgam a humanidade", disse Emerson algures, e isso calha aos homens desse tipo. A consciência que poderia libertar-se por um curto período do dia para adquirir a joia da interna paz espiritual, é compelida pela máquina que eles construíram ao seu redor a moer-se nas coisas triviais e pueris.
O homem, ansioso por aperfeiçoar suas máquinas, esquece-se de se aperfeiçoar a si próprio.
Divorciar a vida do espiritual é fazê-la perigar. O eu ativo deve ser alimentado pelas fontes espirituais do eu mais profundo. Cabe-nos equilibrar nossas atividades com a nossa contemplação. O intelecto crítico deve encarar a intuição visionária como amiga, não como inimiga; as capacidades comerciais devem colaborar com as imaginações espirituais; ao passo que nosso profundo egoísmo necessita andar de mãos dadas com nosso mais profundo altruísmo. Desta maneira cada qual de nós pode tornar-se o expoente de um profundo conceito em sua vida mais superficial.
Nossas vidas precisam achar o áureo meio termo. Precisamos diariamente manter-nos por alguns momentos em quietude mental, sem perder nossa capacidade para trabalhos práticos. Precisamos estabelecer um equilíbrio conveniente entre os elementos místicos e materiais de nossa natureza, por diferentes e incompatíveis que aparentemente sejam. Quem quiser seguir o Caminho Secreto aqui delineado, encontrará sem esforço esse equilíbrio. Advir-lhe-á natural e espontaneamente.

(Paul Brunton in O Caminho Secreto, Ed. Pensamento)

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