“Como conciliar pensamentos tão
extraordinários com as necessidades comuns de toda a hora?”, perguntareis.
"Não podemos desertar do mundo, abandonar nossas metrópoles para buscar a
contemplação em meio da solidão; temos nossas dívidas a pagar a Admeto, e enquanto
não a liquidamos, nossos pés permanecem sempre algemados", vos queixareis.
"O mundo é duro e impiedoso, e nenhuma utilidade têm, para ele, as vossas
vãs e vazias doutrinas. Não podemos viver de nuvens. Vossa filosofia é, quiçá,
excelente para os que se sentam comodamente junto a uma lareira; mas como
poderá ela auxiliar os que mourejam em meio de uma sociedade realista?",
concluireis.
Estas perguntas encerram frequentes
concepções errôneas acerca do que constitui a verdadeira espiritualidade, e começarei
a respondê-las formulando de minha parte uma outra pergunta.
"Nunca vos vistes envolvidos por um
daqueles furacões tropicais que se movem com um ímpeto aterrador?"
Por estranho que pareça, se isso vos
acontecer, notareis que bem no centro do furacão existe um lugar perfeitamente
calmo e inalterado. Assim, também, o homem que se conhece, atinge um equilíbrio
mental tal que permanece imperturbável em meio da excitante atividade do mundo.
Seu mais recôndito ser se mantém em imperturbado repouso, qualquer que seja o
furacão da vida que o envolva, qualquer que seja o trabalho que faça e
quaisquer que sejam os pensamentos que lhe afetem o intelecto.
Via de regra se considera a verdade
espiritual uma I rogativa dos homens especulativos, perdidos em sonhos piedosos
ou filosóficos. Que ela deve ser trazida para dentro do raio de ação do homem
de ocupações é uma consideração que parece duvidosa, mas a história a tem não
poucas vezes trai formado em fato.
É possível fundir a sabedoria deste
mundo com a sabedoria das coisas
divinas? Por que não? Por que, por exemplo, não há de o pesquisador aliar-se ao
administrador prático Conheço o dono de uma fábrica de produtos químicos numa
província inglesa, que tentou fazer isto. Toda a sua organização, seu
equipamento de laboratório, seus métodos de anúncio e seus produtos
manufaturados se colocam facilmente, entre seus congêneres, como os melhores e
os mais modernos. Ele trata seus numerosos operários na base da Regra de Ouro.
Não há nada, dentro do bom senso, que não faça por eles, com d resultado de que
não há nada razoável que os operários não façam para ele. Todas as noites, antes
de se recolher para repousar após um dia de poeira e esforços — e esse era o único tempo de que dispunha — dirige-se
a um recanto sossegado de sua casa e dedica uma tranquila meia hora à quietude
mental, extraindo daí uma paz sublime e energia alentadora, que o habilitam a
manter uma secreta liberdade do espírito em meio de toda a mecanização de hoje.
Ele tornou esta prática regular perfeitamente compatível com a vida ativa. Proporciona-lhe
um equilíbrio interior em meio das distrações
e turbulências da presente existência. A força e sabedoria superiores que ele
encontra no divino centro, são mais tarde aplicadas na ação efetiva em sua
administração.
O administrador que objete não ter tempo
nem ideia para interesses espirituais, porque seus afazeres materiais o absorvem
totalmente, acha-se em triste condição. Qual é, então, o verdadeiro interesse
do homem?
É justo considerarmos nossas
necessidades materiais do momento, mas não é justo considerá-las sem uma
referência a algo mais.
São numerosos os ocidentais que se
sepultaram em seus negócios e mui raramente saem dali para observar que existe
um sol espiritual lá em cima. Milhares de pensamentos se atropelam em suas
cabeças da aurora ao crepúsculo: a noite e eles se entregam à colheita do que
semearam. Em meio a todo este fértil campo de pensamentos e vida, que lhes resta?
Mesmo quando sua saúde periclita e o médico lhes prescreve umas longas férias,
tal é a sua escravidão que, embora não possam levar os negócios consigo, são
obrigados a levá-los em suas mentes. Seus negócios constituem agora o seu
Condutor, e eles, os jumentos carregados.
E vem um dia triste, mas inevitável na
existência do homem, ao descobrir que, apesar de todo seu afã, não lhe sobrou
nada nas mãos senão um punhado de folhas secas. Nesse dia talvez comece a
perceber que a verdade espiritual não é uma ciência abstrata, nem uma abstrusa
especulação; é um modo de vida, uma visão mais profunda do mundo. Talvez lhe
seja doloroso chegar-lhe esse dia, porém isto é o prelúdio de uma felicidade
meritória.
Os assuntos práticos da vida não mais
existem para servi-lo, mas para tiranizá-lo. "As coisas selam e cavalgam a
humanidade", disse Emerson algures, e isso calha aos homens desse tipo. A
consciência que poderia libertar-se por um curto período do dia para adquirir a
joia da interna paz espiritual, é compelida pela máquina que eles construíram
ao seu redor a moer-se nas coisas triviais e pueris.
O homem, ansioso por aperfeiçoar suas
máquinas, esquece-se de se aperfeiçoar a si próprio.
Divorciar a vida do espiritual é fazê-la
perigar. O eu ativo deve ser alimentado pelas fontes espirituais do eu mais
profundo. Cabe-nos equilibrar nossas atividades com a nossa contemplação. O
intelecto crítico deve encarar a intuição visionária como amiga, não como
inimiga; as capacidades comerciais devem colaborar com as imaginações
espirituais; ao passo que nosso profundo egoísmo necessita andar de mãos dadas
com nosso mais profundo altruísmo. Desta maneira cada qual de nós pode
tornar-se o expoente de um profundo conceito em sua vida mais superficial.
Nossas vidas precisam achar o áureo meio
termo. Precisamos diariamente manter-nos por alguns momentos em quietude
mental, sem perder nossa capacidade para trabalhos práticos. Precisamos
estabelecer um equilíbrio conveniente entre os elementos místicos e materiais
de nossa natureza, por diferentes e incompatíveis que aparentemente sejam. Quem
quiser seguir o Caminho Secreto aqui delineado, encontrará sem esforço esse
equilíbrio. Advir-lhe-á natural e espontaneamente.
(Paul Brunton in O Caminho Secreto, Ed.
Pensamento)
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