"...das
cinco vezes que a palavra “sonho” aparece no Novo Testamento, quatro se referem
a José, o carpinteiro. Em todos estes casos, ela está sempre sendo convencido
por um anjo a fazer exatamente o contrário do que estava planejando.
O
anjo pede que ele não abandone sua mulher, embora ela esteja grávida. Ele podia
dizer coisas do tipo “o que os vizinhos vão pensar”. Mas volta para casa, e
acredita na palavra revelada.
O
anjo o envia para o Egito. E sua resposta podia ter sido: “mas eu já estou aqui
estabelecido como carpinteiro, tenho minha clientela, não posso deixar tudo de
lado agora.” Entretanto, arruma suas coisas, e parte em direção ao
desconhecido.
O
anjo pede que volte do Egito. E José podia ter de novo pensado: “logo agora que
eu consegui estabilizar de novo minha vida, e que tenho uma família para
sustentar?”
Ao
contrário do que o senso comum manda, José segue seus sonhos. Sabe que tem um
destino a cumprir que é o destino de quase todos os homens neste planeta:
proteger e sustentar sua família. Como milhões de Josés anônimos, ele procura
dar conta da tarefa, mesmo tendo que fazer coisas que estão muito além de sua
compreensão.
Mais
tarde, tanto a mulher como um dos filhos se transformam nas grandes referências
do Cristianismo. O terceiro pilar da família, o operário, é lembrado apenas nos
presépios de final de ano, ou por aqueles que tem uma devoção especial por ele,
como é o meu caso, e como é o caso de Leonardo Boff, para quem escrevi o
prefácio de seu livro sobre o carpinteiro.
Reproduzo
parte de um texto do escritor Carlos Heitor Cony (espero que seja mesmo dele,
porque descobri na internet!): “ Volta e meia estranham que, declarando-me
agnóstico, não aceitando a ideia de um Deus filosófico, moral ou religioso,
seja devoto de alguns santos do nosso calendário tradicional. Deus é um
conceito ou uma entidade distante demais para os meus recursos e até mesmo para
minhas necessidades.Já os santos, porque foram terrenos, com os mesmos
alicerces de barro de que fui feito, merecem mais do que a minha admiração.
Merecem mesmo a minha devoção.
“São
José é um deles. Os Evangelhos não registram uma única palavra sua, somente
gestos, e uma referência explícita: "vir justus". Um homem justo.
Como se tratava de um carpinteiro, e não de um juiz, deduz-se que José era
acima de tudo um bom. Bom como carpinteiro, bom como esposo, bom como pai de um
garoto que dividiria a história do mundo.”
Belas
palavras de Cony. E eu, muitas vezes, leio aberrações do tipo: “Jesus foi para
a Índia aprender com os mestres do Himalaia”. Para mim, todo homem pode
transformar em sagrada a tarefa que lhe é dada pela vida, e Jesus aprendeu
enquanto José, o homem justo, o ensinava a fazer mesas, cadeiras, camas.
No
meu imaginário, gosto de pensar que a mesa onde o Cristo consagrou o pão e o
vinho, teria sido feita por José – porque ali estava a mão de um carpinteiro
anônimo, que ganhava a vida com o suor do seu rosto e, justamente por causa
disso, permitia que os milagres se manifestassem."
(O
homem que seguia seus sonhos, In: "Ser como um rio que flui", Paulo
Coelho)
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