Por Rica Perrone
E
então eu parei o carro, puxei o freio de mão e pensei: “Cheguei em casa”.
Faz
1 ano. Desembarquei com esposa, cachorro e umas malas. A mudança veio no dia
seguinte. Levei 33 anos imaginando “como
seria”, e agora tenho 1 pra contar “como foi”.
O
Rio de Janeiro é a minha Paris. Eu não sonho com a tal de torre, nem me importo
com o Louvre e nem acho do cacete tomar café naquela tal de Champs-Élysées. Eu
acho charmoso ir a praia de Copacabana, tomar cerveja de chinelo no leblon e ir
a um samba numa grande escola.
Sou
paulista, nunca tive rivalidade bairrista em casa. Nunca me ensinaram a odiar o
estado vizinho, ao contrário, sempre me foi dada a idéia de que estando no
Brasil, estou em casa.
Ouvi
mil mentiras e outras mil verdades sobre o Rio enquanto morei em São Paulo.
Todas justas no final das contas.
Carioca
exagera tudo, pra baixo e pra cima. Se elogiar a praia, ele exalta dizendo que
é “a melhor praia do mundo”. Se falar que é perigoso, ele não nega. Diz que é
“perigoso pra caralho”.
Trata
sua cidade como filho. Só ele pode falar mal.
Cariocas
não marcam encontro. Simplesmente se encontram.
A
confirmação de um convite aqui não quer dizer nada. Você sugere “Vamos?”, eles
dizem “Vamo!”. O que não implica em ter aceitado a sugestão.
Hora
marcada no Rio é “por volta de”. Domingo é domingo. E relaxa, irmão. Pra que a
pressa?
Em
5 minutos são amigos de infância, no segundo encontro te abraçam e já te
colocam apelidos.
Não
te levam pra casa. Te convidam pra rua. É curioso. Mas é que a “rua” aqui é tão
linda que se trancar em casa é desperdício.
Cariocas
andam de chinelo e não se julgam por isso.
São livres, desprovidos de qualquer senso de sofisticação.
Ao
contrário, parecem se sentir mal num ambiente formal e de algum requinte.
“Porra”
é um termo que abre toda e qualquer frase na cidade. Ainda vou a uma Igreja
conferir, mas desconfio que até missa comece com “Porra, Pai nosso que
estais…”.
Cariocas
são pouco competitivos. Eu acho isso maravilhoso, afinal, venho da terra mais
competitiva do país. E confesso: competir o tempo todo cansa.
Acho
graça quando eles defendem o clube rival pelo mero orgulho de dizer que “o
futebol do Rio” vai bem. Eles nem notam, mas as vezes se protegem.
Eles
amam essa porra. É impressionante.
Carioca
é o povo mais brasileiro que há, mas que é tão orgulhoso do que é que nem
parece brasileiro.
Tem
um sorriso gostoso, um ar arrogante de quem “se garante”.
Papudos,
malandros, invocados. Faaaaalam pra cacete. E sabem que estão exagerando.
Eles
acham que sabem o que é frio. Imagine,
fazem fondue com 20 graus!
A
Barra é longe. Buzios, logo ali!
Niterói
é um pedaço do Rio que eles não contam pra turista. Só eles aproveitam.
Nilópolis
é longe. Bangu também.
Madureira
é um bairro gostoso. O Leblon, vale os 22 mil por metro quadrado sugeridos
pelos corretores.
Aliás,
corretores no Rio são bem irritantes.
Carioca,
num geral, acha que está te fazendo um favor mesmo se estiver trabalhando. É
tudo absolutamente pessoal, informal.
Se
ele gostar de você, te atende bem. Se não, não.
Tá
com pressa? Vai se irritar. Eles não tem pressa pra nada.
Sabe
aquela garota gostosa que sabe que é gostosa? Cariocas sabem onde moram.
O
bairrismo deles é único. Nem
separatista, nem coitadinho. Apenas orgulhoso.
Ao invés de odiar um estado vizinho, o sacaneiam e se matam de rir de
quem se ofende.
Cariocas
tem vocação pra ser feliz.
São
tradicionais, não gostam que o mundo evolua. Um novo prédio no lugar daquele
casarão antigo não é visto como progresso, mas sim com saudades.
São
folgados. Juram ser o povo mais sortudo do mundo.
E
quem vai dizer que não?
No
Rio você vira até mais religioso. Aquele
Cristo te olha todo santo dia, de braços
abertos. Não dá! Você começa a gostar do cara…
E
aí vem a sexta-feira e o dom de mudar o ambiente sem mexer em nada. O Rio que trabalha vira uma cidade de férias.
As roupas somem, aparecem os sorrisos a toa, o sol, o futebol, o samba, o Rio.
Já
ouvi um cara me dizer um dia que o “Rio é uma mentira bem contada pela
mídia”. Ele era paulista, odiava o Rio,
jamais tinha vindo até aqui.
E
é um cara esperto. Se você não gosta do Rio de Janeiro, fique longe dele.
É
a única maneira de manter sua opinião.
Em
quase toda grande cidade que vou noto uma força extrema para fazer o turista se
sentir em casa. Um italiano em São Paulo está na Itália dependendo de onde for.
Um japones, idem. Um argentino vai a restaurantes e ambientes argentinos em
qualquer grande cidade.
No
Rio de Janeiro ninguém te dá o que você já tem.
Aqui, ou você vira “carioca”, ou vai perder muito tempo procurando um
pedaço da sua terra por aqui.
Não
é verdade que são preconceituosos. É preciso entender que o carioca não se diz
carioca por nascer aqui. Carioca é um perfil.
Renato,
o gaúcho, é um dos caras mais cariocas do mundo.
Tem
todo um ritual, um jeitinho de se aproximar.
Chame
o garçom pelo nome, os colegas de “irmão”. Sorria, abrace quando encontrar.
Aceite o convite, mesmo que você não vá.
Faça
planos para amanhã, esqueça-os 10 minutos depois. Faça amigos, o máximo de
amigos que conseguir.
Quanto
mais amigos, mais cerveja, mais risadas, mais churrascos, mais carioca você
fica.
E
quanto mais carioca você é, mais você ama o Rio. Como eles.
Gosto
deles. Gosto de olhar pra frente e não ver onde acaba. Gosto de sol, de abraço, de rir muito alto e
de não me achar um merda por estar sem grana.
Gosto
de como eles se viram. Gosto da simplicidade e da informalidade que os aproxima
do amadorismo.
A
vida não tem que ser profissional.
Tem
que ser gostosa.
E
de gostosa, convenhamos, o Rio tá cheio.
Ops!
Desculpa, amor! Escapou.
abs,
merrrrmão!
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