Por Jessica Soares
“Quem
conta um conto aumenta um ponto”, disse certa vez Clarice Lispector. Só que
não. A escritora, campeã informal de citações equivocadas, não é a única a
ganhar fama por frases que nunca disse. Ao longo da história, nomes ilustres –
da realidade e da ficção – viram suas palavras serem distorcidas, mal
interpretadas ou, até mesmo, (re)inventadas. A Revista SUPER INTERESSANTE
listou 8 frases famosas que nunca foram ditas e a história por trás destes
enganos:
1. “No entanto
ela se move”
No
século XVII, o italiano Galileu Galilei foi físico, filósofo, matemático,
astrônomo e réu. Sua defesa ao Heliocentrismo – teoria que dizia que a Terra
não era o centro do Universo, mas sim girava em torno de um Sol estacionário –
causou polêmica entre os responsáveis pela Inquisição, que ainda estavam bem
apegados à ideia do Geocentrismo, que considera a Terra o centro de tudo o que
existe.
Acusado
de heresia, precisou negar suas ideias diante de um tribunal para escapar da
fogueira. Reza a lenda que, após se retratar, Galileu ousadamente resmungou
que, “no entanto, ela [a Terra], se move”. Porém, a frase E pur si muove! não
consta em nenhum registro oficial que confirme que ela de fato foi dita – nem
mesmo a mais antiga biografia do cientista, escrita por um de seus discípulos,
faz referência a ela.
2. “Eu discordo
do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”
Apesar
do que você possivelmente ouviu nas aulas de história, Voltaire nunca disse as
palavras acima. Mas a sua biógrafa o fez: é da escritora inglesa Evelyn
Beatrice Hall a famosa frase que simboliza o direito de livre expressão. Sob o
pseudônimo de Stephen G. Tallentyre, a autora teria criado esta sentença para
resumir o pensamento do filósofo na biografia The Friends of Voltaire, de 1906,
como afirma o livro They Never Said It: A Book of Fake Quotes, Misquotes, and Misleading
Attributions.
3. “Um pequeno
passo para o homem, um grande salto para a humanidade”
Se
você reparar com atenção, vai perceber que a icônica frase dita por Neil
Armstrong ao pisar na Lua tem um problema conceitual. “O homem” é equivalente a
“a humanidade”, tornando a afirmação um pouco redundante – ou, simplesmente,
sem sentido. Seria um tanto frustrante, caso o astronauta realmente a tivesse
dito desta forma.
Neil
argumenta que uma palavra se perdeu em meio a estática durante a transmissão:
sua frase original teria sido “Um pequeno passo para um homem, um grande passo
para a humanidade”. Foram várias as tentativas públicas de Armstrong para
corrigir o sentido de sua fala, mas, como você deve ter imaginado, elas foram
em vão. A sentença imortalizada é aquela que todo o mundo ouviu em 1969 – faça
sentido ou não.
4. “Elementar,
meu caro Watson”
Você
já ouviu Sherlock Holmes proferir esta frase – mas nunca a leu nos livros de
Sir Arthur Conan Doyle. Na obra do escritor britânico, o detetive usa (muitas)
outras palavras para destacar sua superioridade intelectual, é verdade, mas as
falas que mais se aproximam da hoje icônica citação se encontram em dois de
seus contos: em O Corcunda, Holmes usa a palavra “Elementar”; em A Caixa de
Papelão, dispara um “Superficial, meu caro Watson”.
The
Return of Sherlock Holmes (1929), primeira adaptação cinematográfica com som
dos livros de Doyle, foi a responsável por combinar as duas sentenças. A série
radiofônica The New Adventures of Sherlock Holmes (que pode ser ouvida aqui),
veiculada entre 1939 e 1947, usava recorrentemente a fala e ajudou imortalizar
de vez a frase do famoso investigador. Elementar, meu caro leitor.
5. “Temo que
tudo o que fizemos foi despertar um gigante adormecido e enchê-lo de terrível
determinação”
O
Almirante Isoroku Yamamoto, da Marinha do Japão, foi o responsável por planejar
o ataque à base naval estadunidense de Pearl Harbor. A manhã do dia 7 de
dezembro de 1941 (o “dia que viverá na infâmia”, como declarou o então
presidente americano, Franklin Roosevelt) marcou a entrada dos Estados Unidos
na Segunda Guerra Mundial e levou à morte de Yamamoto menos de seis meses
depois.
Embora
haja indícios de que o arrependimento do almirante tenha sido real, não se tem
registro oficial de que ele tenha dito a famosa frase acima. Alguns atribuíram
ao filme de 1970 Tora! Tora! Tora! a origem da fala mas, segundo dados do Imdb,
a citação já era famosa antes de chegar à telona.
6. “Os ingleses
estão chegando! Os ingleses estão chegando”
A
guerra que levou à independência das Treze Colônias, proclamada em 4 de Julho
de 1776, tem como um de seus ícones o mensageiro de batalha Paul Revere.
Durante a guerra da independência dos Estados Unidos, Revere ajudou a organizar
uma rede de inteligência em Boston que monitorava a movimentação das forças
britânicas no território americano. Em abril de 1775, sua missão era avisar aos
companheiros patriotas que os ingleses estavam, sim, chegando – mas gritar a
mensagem em um território repleto de tropas inimigas teria sido pouco eficaz.
Sua
corrida foi feita em segredo e não incluía o termo “ingleses” – afinal, até
aquele momento, os colonos ainda não haviam se desligado do seu país de origem,
sendo, portanto, também ingleses. A frase equivocada provavelmente foi
atribuída ao mensageiro graças a Paul Revere’s Ride, poema escrito por Henry
Wadsworth Longfellow em 1860 e que faz homenagem ao patriota americano
recriando sua corrida noturna com certa ~liberdade poética~.
7. “Toque outra
vez, Sam”
Quase
mais famosa do que a clássica “Nós sempre teremos Paris”, dita por Rick,
personagem de Humphrey Bogart, no final de Casablanca, “Play it again, Sam” é
aquele tipo de citação que você nem precisa ter assistido ao filme pra
conhecer. Pena que ela não existe. No longa de 1942, a frase nunca é dita.
Isla, a personagem de Ingrid Bergman, chega bem perto, no entanto: “Toque uma
vez, Sam. Pelos velhos tempos”, ela pede ao pianista vivido por Dooley Wilson.
Os
responsáveis por popularizar a frase inexistente podem ser dois: os Irmãos
Marx, que no filme Uma Noite em Casablanca (1946) usam a fala incorreta, ou o
diretor Woody Allen, que em 1972 lançou Play it again, Sam, longa-metragem que
faz homenagem à clássica película e chegou ao Brasil com o nome de Sonhos de um
Sedutor.
8. “Isto é para
os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os que vêem as
coisas de forma diferente. (…) Enquanto alguns os vêem como loucos, nós vemos
gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para pensarem que podem
mudar o mundo, são as que de fato o fazem”
Embora
não seja apenas uma frase (mas sim uma porção delas), seria impossível deixar
de falar do “pensamento” tantas vezes erroneamente atribuído a Jack Kerouac. O
escritor estadunidense não é autor da famosa citação – tampouco Steve Jobs, mas
esse chute pelo menos chega mais perto do gol. Rob Siltanen e Ken Segal são os
verdadeiros responsáveis pelo texto que faz parte da campanha “Think Different”
da Apple, veiculada em 1997 e 1998, e presente em dois comerciais narrados pelo
ator Richard Dreyfuss.
A
ligação equivocada com o autor da geração beat se deve provavelmente a um
trecho de On the road, lançado em 1957, que também faz referência aos gênios
rebeldes: “Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver,
loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo,
que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam,
queimam”.
Bônus
cinematográfico:
Casos
de paternidade desconhecida são sempre cheios de emoção – que o diga Luke Skywalker.
Não bastasse a revelação bombástica na antológica cena de Star Wars Episódio V:
O Império Contra-Ataca, o filme ainda nos reserva uma outra surpresa: na
sequência reveladora, Darth Vader não disse exatamente “Luke, I am your
father”, como todo mundo gosta de citar. A frase correta é “No, I am your
father”. Assista de novo e tire a prova.
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