Seguidores

domingo, 2 de dezembro de 2012

A Pedagogia do Coitadinho


«Ao contrário do que se pensa, a falta de autoridade, a cumplicidade com o erro, a tentativa de se "amar" os alunos, em nada os beneficia. Baixando as expectativas, a escola está a contribuir para que os resultados dos pobres sejam piores do que poderiam ser. Há quem diga que estes alunos carecem de afecto. Sucede que a escola não é o lugar indicado para lho dar. O que a esta compete, em primeiro lugar, é ensinar-lhes o que a aldeia, o bairro e a família jamais lhes poderão fornecer. As pieguices em redor dos coitadinhos nada resolvem.» (Mónica, M. F., (1997), Os filhos de Rousseau, Lisboa, Relógio D'Água, p. 11.)


***

Vivemos em tempos de uma "Pedogogia do Coitadinho" que não prepara os jovens para os rigores da vida adulta, antes cria sociopatas incapazes de lidar com as adversidades inexoráveis que advém do fato de se estar vivo. Como dizia Don Juan Matus, mestre do Carlos Castaneda: "O Universo é Predador!" e devemos ser guerreiros impecáveis se quisermos sobreviver.


***


Por Fabio Flores
Nada é mais profano e perverso na relação ensino/aprendizagem que a “Pedagogia do Coitadinho”, pois esta concepção anula toda e qualquer iniciativa de superação e construção da autonomia por parte do estudante. Infelizmente ainda ouvimos muitos educadores proferirem a sentença: “coitadinho, mas este aluno tem tantos problemas, a gente deveria pegar leve com ele”.

Uma rápida consulta a nossa história pode nos apontar inúmeros exemplos de pessoas que tiveram uma vida pessoal hiper-atribulada, e, no entanto conseguiram obter êxito pleno nas atividades que desenvolviam. Por esta razão, julgo como criminosa a ação daquele que rotula de “coitadinho” um possível talento que é assassinado pelo punhal da “caridade”.

Sigmund Freud ficou conhecido como o pai da psicanálise, foi sem dúvida um dos maiores intelectuais do século XX, porém conviveu com dramas pessoais bastante intensos, a começar pelo fato de ser judeu e sentir na pele todo o ódio do nazismo. Conviveu com as dores e os dramas de um câncer que não o impediram de manter-se academicamente produtivo.

Albert Einstein, o gênio da física e principal nome das ciências exatas no século passado, comeu o pão que o diabo amassou durante sua infância em função da gigantesca instabilidade financeira que vivia sua família. Não possuía interesse por participar das atividades em grupo na escola, preferindo isolar-se da turma. A habilidade lógica que possuía o instrumentalizava para excelente desempenho em matemática, desempenho este que era inversamente proporcional nas disciplinas que exigiam memorização, tais como história, geografia e grego.

Paulo Freire tornou-se o mais importante nome da educação na América Latina em função da defesa e sistematização de uma educação libertadora pautada na vivência do educando. Sua infância foi marcada pelas enormes dificuldades financeiras e pela morte de seu pai-herói. O homem que foi reconhecido como doutor honoris causa em diversas universidades do Brasil e do mundo foi alfabetizado num contexto onde o chão era o quadro-negro e os gravetos eram o giz.

Ludwig van Beethoven que encantou inúmeras gerações com seu talento latente na arte de compor sinfonias que cruzam séculos com o frescor e sintonia, teve uma infância marcada pelos desencontros afetivos de um pai alcoolatra, pelas sequelas de uma varíola que deixaram marcas em seu corpo, da reconhecida surdez que poderia ter assassinado seu talento. No entanto, o mesmo nos presenteou com nove sinfonias, cinco concertos para piano, trinta e duas sonatas, e tantas outras obras clássicas.

Como tivemos a oportunidade de perceber neste breve relato da biografia de quatro dentre as inúmeras histórias de superação que conheço, e que dão prova que os problemas sociais podem dificultar, mas nunca impedir que o educando transcenda os limites de sua realidade e alcance o sucesso a partir de seus próprios méritos sem depender da “caridade”, nem tampouco formas escusas de promoção pessoal.

Não existe máquina, nem habilidade humana capaz de descrever qual é o limite do outro. Quando resumimos o outro ao “coitadinho” estamos o condenando à inércia, e o impedindo de acessar o maior de todos os conhecimentos, que é o conhecimento de si mesmo. Estamos negando ao outro a dimensão afetiva do ato educativo, pois nos colocamos numa posição de superioridade, na posição daquele que tudo sabe, e por saber tudo, sabe até o quanto o outro não sabe, e tudo aquilo que o outro nunca vai saber. Sobretudo ditamos o que o outro não precisa saber, e assim tatuamos definitivamente na alma deste estudante a marca da subserviência, e a eterna convicção de ser mais um “coitadinho”.

Fabio Flores é palestrante e professor dos cursos de Comunicação Social e Pedagogia da FAESA.

Retirado de:

0 comentários:

Postar um comentário