E frequente as pessoas que aderem a
comunidades espirituais andarem o tempo todo com um tolo sorriso estampado na
face, fingindo que todas as coisas são belas. De fato, místicos de todas as
tradições falam muito de um estado espiritualmente "inebriado", ou
comparam a vida espiritual ao êxtase próprio da paixão amorosa — mas isso não
significa que a vida seja perfeita.
A vida com certeza não é perfeita, e,
tanto quanto alguém possa dizer por si mesmo, ela nunca se tornará perfeita.
Alguns grupos religiosos ensinam que, embora a vida não seja perfeita agora, em
algum tempo, em algum outro lugar que não este mundo, todos serão felizes — ou
pelo menos serão felizes os verdadeiros devotos. Eu não vejo razão para
acreditar neles. Vamos trabalhar com o que sabemos — e o que cada um de nós
sabe perfeitamente bem é que a vida é cheia de infelicidade e sofrimento. Não
para todos nem o tempo todo, mas podemos ter certeza de que alguém, em algum
lugar está sofrendo algo terrível neste momento.
Sabemos disso, mas temos de tocar a
vida. No fundo de nossa consciência, porém, esse terrível pavor permanece —
posso estar vivendo em um palácio cercado por uma grande quantidade de iguarias
e por admiráveis amantes, mas sei, se me atrever a pensar sobre o assunto que
alguém em alguma parte não tem onde morar, que está morrendo de fome e que
alguém não é amado nem querido.
Não faz muito tempo, eu estava andando
pela estrada de Madras, na índia, e vi um adolescente em andrajos, mexendo numa
imensa pilha de lixo, procurando restos de comida. Seu corpo estava
inteiramente visível através dos trapos e foi terrível ver que seus braços e
pernas pareciam pele e ossos. Ele lembrava exatamente aqueles prisioneiros nas
fotos de campos de concentração nazistas, tão conhecidas no Ocidente. As
pessoas reagem de maneira diferente quando são confrontadas com essas
realidades, mas em geral o instinto tenta compreender — tenta formar uma rede
de palavras e ideias, que ajudem a perceber que está tudo bem para nós, apesar
de aquela pessoa estar sofrendo. E, como ensinava madre Teresa, é mais sensato
ser prático — para tentar aliviar esse terrível sofrimento alheio, será mais
eficaz você criar algum tipo de instituição do que ajudar pessoas isoladamente.
Vamos deixar os resultados práticos de
lado e nos concentrar sobre aquela crença "espiritual" de que todas
as coisas são belas. Isso não é o estado de iluminação; é somente uma fase, um
estado de espírito. Iluminação é encarar a realidade com todos os seus horrores
e belezas. Não é preciso desenvolver um corpo de ideias para
"explicar" a realidade, e nem sempre essas teorias serão adequadas.
Tudo o que você tem a fazer é voltar-se para a realidade como ela se revela,
vendo-a como ela é e reagindo como puder.
Outra coisa que eu tenho percebido sobre
essas genuínas comunidades espirituais é que a vida ali não é muito bonita, mas
dura, e até mesmo assustadora — elas não são um tipo de "clube da iluminação"
onde você vai passar um final de semana!
Retirado do livro Iluminação: Manual
Prático. Leo Gough, Pensamento, 2000.
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