Por Rafael Arrais
Numa
noite fria um homem letrado veio tratar com Yeshua, que o recebeu em sua tenda,
animado por poder conversar com um sacerdote. Seu nome era Nicodemus…
Sacerdote
– Shalom, rabi.
Mensageiro
– Está errado: você quem é o rabi, e eu é que estou em paz.
Sacerdote
– Mas como pode estar em paz, vendo seu povo sofrendo, oprimido?
Mensageiro
– E quem não sofre nesta vida?
Sacerdote
– Mas nós judeus temos sofrido em demasiado. Onde está Adonai para libertar
nosso povo? Dizem que você nos trouxe sinais de que é seu enviado, seu filho…
Então me diga, onde está este Senhor Ausente?
Yeshua
apanhou um galho seco do solo onde foi montada a tenda…
Mensageiro
– Você vê a vida aqui?
Sacerdote
– Não, isto é apenas um galho seco.
Mensageiro
– Esta é a diferença. Você acha que o seu senhor está aqui e ali, e eu o
percebo em todo lugar, para onde quer que olhe estou sempre coberto por seu
perfume. Este galho seco um dia abrigou vida, e agora se torna inerte
novamente, porém não menos sagrado. Eis o meu sinal e a minha mensagem, rabi:
tudo é sagrado, tudo vibra e nada está parado. Quem há de ter iniciado esta
roda senão aquele a quem você proclama ausente?
Sacerdote
– E porque não o convoca então? Quero vê-lo!
Mensageiro
– Ele já está aqui. Ainda mais perto de sua alma do que seu próprio olho.
Sacerdote
– Mas não o vejo, não o vejo! Se o vê, diga-lhe então que nos ajude, que nos
lidere, que expulse os opressores de nossa terra…
Mensageiro
– Mas como pode alguém retirar a moeda ou o trigo da balança, sem que torne a
transação injusta para o vendedor ou para o comprador? Você deseja um Senhor
dos Exércitos, mas como pode um general marchar contra o seu próprio exército?
Sacerdote
– O que está dizendo, rabi? E acaso Adonai também defende aos opressores?
Mensageiro
– E como poderia existir um exército de homens que não pertença ao Senhor da
Vida? Não é sua culpa que os homens busquem a morte, e não a vida. Em verdade
lhe digo, ó Nicodemus, que nosso Pai não é um general, mas um semeador… E nós
somos as sementes! Algumas há que germinaram em solo fértil, enquanto outras
encontraram o solo seco, e viveram vidas de galhos secos. Porém, há sempre a
oportunidade de aproveitar as chuvas que antecedem a primavera.
Sacerdote
– Eu não compreendo… Se este de quem fala é o senhor dos romanos, não pode ser
Adonai. Você é filho de um falso deus, um deus ausente, um deus traidor. Quem é
você afinal?
E
dizem que aquela foi a primeira vez que o viram exaltado:
Mensageiro
– Ó Nicodemus, porque tanto proclama ser um conhecedor das coisas celestes, se
mal compreende as coisas do mundo? A quem pretende ensinar com esta alma cega?
Você
acusa nosso Pai de ser ausente, e, no entanto, ele é tão ausente quanto à luz
das estrelas é ausente da noite! Você acusa nosso Pai de ser traidor, quando
não há no mundo quem ele possa trair, visto que não fez promessa alguma! Você
me acusa de ser filho de um deus falso, quando ele é a fonte única de todos os Elohim,
que são a essência de tudo o que há de belo e verdadeiro no mundo!
Saia
desta tenda, Nicodemus, e volte para seus manuais de palavras vazias e sem
vida. De nada adianta conhecer as palavras se você não percebe o baile da vida
a escorar pelo ombro, o vento que sopra onde quer, e não atende ao chamado de
almas secas.
Mas,
antes de sair, Nicodemus virou-se e perguntou:
Sacerdote
– E como você faz para falar com esse tal deus? Quem sabe um dia eu consiga
falar com ele, para que possa fazer por nosso povo o que você se recusa a
pedir…
Mensageiro
– Em verdade lhe digo, hipócrita, que ele fala na única linguagem que não é
ainda capaz de compreender sequer duas palavras: o amor. E, caso lhe perguntem
como eu sei de tudo isso, diga-lhes que eu sou o Filho da Vida.
Retirado
de “O Mensageiro”, parte de “Os Evangelhos de Tomé e Maria” (*)
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