Por
Gilberto Antônio Silva
Uma
das perguntas que soam bastante freqüentes quando eu falo sobre Taoismo é o
clássico “os taoistas acreditam em Deus?”. Isso é bastante natural vindo de um
ocidental, nascido e criado em uma tradição judaico-cristã, mas pode ser
bastante difícil de responder do ponto de vista oriental.
Se
você pensar em termos de um Deus antropomorfizado, que possui sensações e
sentimentos humanos, vigia a humanidade de barba branca e tem “favoritos” entre
as pessoas, a resposta é “não”. Se você imaginar Deus como um princípio
ordenador, sem forma mas dotado de consciência e que permeia todo o universo, a
resposta é “sim”.
Muitos
traduzem “Tao” simplesmente por “Deus”, mas é um erro de metafísica já que são
coisas diferentes. O Tao é um conceito muito complexo, que extrapola a mera
racionalidade humana.
Aí
o leitor atento pergunta: “mas Deus não é um só?”. Sim, claro, mas mudam as
formas como os povos O compreendem. No Oriente a concepção de Deus como pregada
nas religiões reveladas (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo) é algo
desconhecido. Quando os missionários cristãos pregaram na China tiveram uma
dificuldade imensa pois os chineses não conseguiam entender a idéia de um Deus
Único, Criador e Onipotente. Então usaram o termo “shen” para traduzir “Deus”,
por significar algo parecido. Mesmo assim não tiveram muito sucesso, pois esse
conceito continua obscuro para os chineses. Os missionários, então, se
concentraram na figura de Jesus, pois um homem sábio que vagava pela terra
acompanhado de discípulos e ensinando a todos é coisa bem comum na história
chinesa. Confúcio mesmo fez muito disso.
Shen
é um termo em chinês muito difícil de ser traduzido, pois pode significar
“alma”, “espírito” ou “divindade”. A religião primitiva da China, que não tem
fundador nem origem conhecida, passou a ser chamada de Shendao (“Caminho do
Shen”) a partir da Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.) para se diferenciar do
Taoismo e, principalmente, do Budismo (Fodao). Curioso que em japonês o termo
“Shendao” se pronuncia “Shinto”, a religião tradicional japonesa. Shen, de modo
isolado, se pronuncia Kami em japonês. Como pode perceber, tudo está conectado.
Enquanto
crescia como religião organizada, o Taoismo foi incorporando muitos desses
rituais e crenças do Shendao, que eram bastante populares. Isso tornou o
Taoismo muito próximo da população, favorecendo que sua profunda filosofia
pudesse ser divulgada até as camadas mais simples. O grau de fusão entre a
filosofia taoista e as práticas tradicionais se tornou tão grande que hoje é
difícil separá-los.
Para
o Taoismo, o universo com todo o seu tamanho imenso e infinita complexidade
gera uma consciência. Assim como nossos neurônios somados formam uma mente
consciente, a miríade de objetos no universo também forma uma consciência. Essa
consciência organiza e mantém tudo funcionando. Quando se reza, é para essa
consciência que nos voltamos. Quando dizemos que buscamos o Tao, é dessa
consciência que nos aproximamos em primeiro lugar. Estamos imersos nele e ao
mesmo tempo somos parte dele.
Essa
consciência é identificada na religião taoista com o Rei de Jade ou Imperador
de Jade. Ele tem esse nome em razão do jade ser considerado um símbolo da
pureza absoluta. É o administrador do Universo, o guardião do Tao. É a mais
alta divindade do panteão taoista. Então, quando se faz uma oferenda ou se
acende um incenso ao Rei de Jade, na verdade invocamos a Consciência Universal.
A religião taoista possui quase sempre duas leituras, a mais simples e popular
e a mais sofisticada e filosófica.
É
interessante que na Medicina Chinesa haja uma grande preocupação em manter o
espírito sereno e tranqüilo. É a principal causa da saúde ou da doença.
Espírito, nesse caso, é chamado de “shen”. Como o ideograma é o mesmo do Shen
universal, trata-se do mesmo princípio. Desse modo temos uma centelha da
Consciência Universal dentro de nós, ancorado no Coração (Xin).
Para
o Taoismo, Deus não apenas existe como habita em nosso peito.
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Gilberto
Antônio Silva é Parapsicólogo, Terapeuta e Jornalista. Como Taoista, atua
amplamente na pesquisa e divulgação desta fantástica cultura chinesa através de
cursos, palestras e artigos. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura
oriental e Taoismo. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br
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