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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Sobre Amor e Solidão

“...Não se deve enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dele se servir tranquila e sossegadamente como de um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sobre um vasto território. Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-mos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segunda a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida de si mesma e procura sê-lo a qualquer preço e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita.
Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo, não sabem amar: tem que aprendê-lo.
Com todo o seu ser, com todas as suas forças concentradas em seu coração solitário, medroso e palpitante, devem aprender a amar. Mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora é solidão, isolamento cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria, com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, dependente? O Amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe. Do Amor que lhes é dado, os jovens deveriam servir-se unicamente como de um convite a trabalhar em si mesmos. A fusão com o outro, a entrega de si, toda a espécie de comunhão não são para eles, são algo de acabado para o qual, talvez, mal chegue atualmente a vida humana.
Ai está o erro tão grave e frequente dos jovens – cuja natureza comporta o serem impacientes – atiram-se uns aos outros quando o amor desce sobre ele e derramam-se tais como são com seu desgoverno, sua desordem, sua confusão. Que acontecerá pois? Que poderá fazer a vida desse montão de material estragado a que eles chamam de comunhão e facilmente chamariam de felicidade? Que futuro os espera? Cada um se perde por causa do outro e perde ao outro e a muitos outros que ainda queriam vir.
(...)
Na medida, porém, em que começarmos a tentar, solitários, a vida, estas grandes coisas se hão de aproximar da nossa solidão. As exigências feitas à nossa evolução pela tarefa difícil do amor são sobre-humanas e, quando estreantes, não podemos estar à sua altura. Mas se perseverarmos, apesar de tudo, e aceitarmos esse amor como uma carga e uma tirocínio em vez de nos perdermos na fácil e leviana brincadeira que serve aos homens para se subtraírem ao problema mais grave de sua existência – então, talvez, um leve progresso e alguma facilidade venham a ser experimentados por aqueles que chegarem muito tempo depois de nós – e isto já será muito.
(...)
Esse progresso há de ser transformar radicalmente (muito contra a vontade dos homens a quem tomará a dianteira) a vida amorosa hoje tão cheia de erros numa relação de ser humano para ser humano, não de macho para fêmea. E esse amor mais humano (que se produzirá de maneira infinitamente atenciosa e discreta, num atar e desatar claro e correto) assemelha-se-á àquele que nós preparamos lutando fatigosamente, um amor que consiste na mútua proteção, limitação e saudação de duas solidões.
Ainda mais: não pense que o grande amor que fora imposto na sua adolescência se tenha perdido. Não terá sido então que amadureceram em si grandes e bons desejos e propósitos dos quais o senhor vive ainda hoje? Creio que aquele amor persiste forte e poderoso em sua memória justamente por ter sido sua primeira solidão profunda e o primeiro trabalho interior que moldou sua vida...“


Retirado do livro “Cartas a um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke (1875-1926)

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